Horários impróprios não impediram cónegos de ir ao Comendador
Desporto
Publicado em 08/02/2022

A Rosa e a Miguela vão juntas ao Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas há muitos anos. Pelo menos desde que o Moreirense Futebol Clube ascendeu definitivamente ao primeiro escalão do futebol português em 2014/2015: “desde que subiram de divisão nunca mais os largamos”. As palavras são de Rosa. E as duas amigas e vizinhas contam já oito anos de presenças ininterruptas na principal divisão de futebol e, portanto, contam também muitas centenas de jogos na companhia uma da outra, sentadas na bancada do estádio que ilumina uma freguesia que sabe bem o que é ser feliz no futebol.

Às vezes também viajam com a equipa verde e branca para os jogos fora de portas. “Quando foi para a Taça fomos acompanhar”, lembra Miguela. A última deslocação de Rosa está mais fresca na memória. Apesar de não ter a companhia habitual da amiga nesse dia, a sócia do Moreirense não resistiu a fazer a deslocação mais pequena do clube cónego na Liga Portugal bwin e, por isso, fez os seis quilómetros até ao Estádio do FC Vizela para marcar presença no dérbi que pela primeira vez na história foi primodivisionário. Naquele sábado à tarde, Rosa fez a viagem a achar que não ia ver o seu Moreirense ganhar e, por isso, saboreou ainda mais o triunfo: “ia convencida de que íamos perder, estávamos mal como estamos agora, e saí de lá muito contente”.

Desta vez o apito inicial não estava agendado para o início da tarde de um sábado, hora privilegiada para se ver futebol em Portugal, mas para as 21h15 de uma segunda-feira de fevereiro. Ainda assim, Rosa e Miguela não podiam faltar. À entrada para a bancada central do Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas, as expectativas eram favoráveis aos cónegos e as duas amigas reconheceram, em conversa com a Rádio Inquieta, a importância do jogo da jornada 21 frente ao Belenenses SAD. Por isso só admitiam um desfecho para aquela noite fria. “Espero que ganhe, é o nosso objetivo para ficar na primeira”, disse Miguela por entre risos e com o frio que já se sentia no exterior. Rosa complementou: “se não ganhar vou muito triste embora”. Com 63 e 57 anos de idade, atestam que a hora não era a melhor e que, não fosse por isso, o grupo seria maior com um jogo ao fim-de-semana. Lamentam a ausência de quem teve de ficar a trabalhar, mas o que configura um problema para Rosa é ver o seu Moreirense perder um jogo: “não vai ser amanhã de manhã que vai custar, se perdermos vai ser já hoje porque vou dormir mal”.

A hora tardia não impediu Simão Pereira de ir ao estádio e não o impediu de levar os filhos com 10 anos, jogadores das camadas de formação do Moreirense. Apesar de considerar a hora “pouco convidativa, ainda por cima com a pandemia”, Simão não podia deixar de faltar a um jogo tão importante. Também não afastou Elisa e Filipe, que chegaram à porta do estádio de braço dado e de manta na mão. “Amanhã há trabalho cedo para os dois, mas era importante vir pelo Moreirense”, disse Filipe. Elisa completou: “é muito tarde, mas é pelo Moreirense, é ganhar ou ganhar, mais nada que isso”.

Às 20h00 já havia fila para entrar no estádio e miúdos e graúdos criavam o burburinho próprio dos dias de jogo no exterior do estádio. Era à bancada central que todos acorriam ou não estivesse ali a desenrolar-se a iniciativa Camisolas com História, uma campanha levada a cabo pelo clube e que se propôs a distribuir 400 camisolas das épocas transatas pelos sócios.

As camisolas não chegaram para todos e já tinham sido todas distribuídas quando passavam 50 minutos das 20 horas. A combinação das iniciativas do clube – que também permitiu a entrada gratuita a todos os jovens com menos de 18 anos – com a importância do jogo levou a que 1231 adeptos marcassem presença no Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas. Com a necessidade de subir à tona da linha de água e de finalmente respirar nos postos de permanência, o Moreirense FC registou a terceira melhor assistência da temporada. Os números do jogo da 21.ª jornada são superados apenas pelos 1498 adeptos que estiveram na receção ao SL Benfica e pelos 1331 adeptos que acorreram ao Comendador para ver o embate com o FC Famalicão. No extremo contrário, o Moreirense registou a entrada de apenas 311 adeptos na receção ao Estoril às 21h00 de uma terça-feira de dezembro. São os jogos a horas tardias durante a semana que registam piores assistências. A receção ao SC Braga, marcado para as 21h15 de uma sexta, levou ao estádio apenas 861 adeptos.

Dos mais de mil adeptos presentes no reduto cónego, estavam dois adeptos adversários que provavelmente viajaram desde Lisboa até ao norte do país. Na bancada destinada aos visitantes, atrás da baliza, destacavam-se duas figuras equipadas de azul – azul esse que, da bancada de imprensa, pareceu ser d’Os Belenenses do Restelo ao invés do azul do Belenenses SAD – numa imensidão de cadeiras brancas, mas não estavam sozinhos. Estiveram na companhia de quatro agentes da GNR, dois stewards e o funcionário do bar.

O horário agradaria a muito poucos, anfitriões ou forasteiros. Rosa e Miguela; Simão e os filhos; e Elisa e Filipe queixaram-se do mesmo: da hora tardia do jogo numa noite de inverno. Ainda assim, fizeram o esforço que lhes foi possível para ir até ao Comendador quando o seu Moreirense mais precisou. E, apesar de “não ser pelas camisolas” que foram, como disse Elisa, “receber camisolas do Moreirense dá-nos todo o gosto até porque temos muitas em casa para lhe fazer companhia”. Rosa e Miguela já não chegaram a tempo de conseguir levar uma camisola para casa, mas não era isso que lhes interessava. Com o apito inicial atrasado, a bola começou a rolar quando os relógios marcavam 21h23 e, se mais tarde começou, mais tarde acabou. O Moreirense, embalado pelo público, goleou por 4-1 e conseguiu respirar no fim dos 90 minutos. Pelo menos até à próxima jornada Rosa vai dormir bem: viu o seu Moreirense ganhar.

Foto: Rádio Inquieta

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